quinta-feira, 6 de novembro de 2008

À Poética



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Sentia-se mais leve à medida que se aliviava dos apertos. Pudera, passara horas presa naquelas medidas, apertadas, bem acabadas. Mas o calor não lhe abandonava, estava tonta da taça que secou algumas vezes e o álcool não a deixara refrescar. Não, não quis o banho quando chegou, sentiu-se ao mesmo tempo preguiçosa e disposta, diante de seus pensamentos, sem os limites de costume, sem qualquer restrição, a embriaguez livrara-a. Entorpecida, dançava e cantava suas músicas e seus desejos, parodiava as melodias com intenções e mordia os lábios murmurando, ascendente e suave em sua cadência, seus passos, seus suspiros.

Sorria, sim, sem motivo aparente, sorria do que lhe vinha à mente, dos pensamentos, e pulava levemente contornando os móveis do cômodo, passeava ao redor de tudo, queria dividir sua alegria vinda de lugar algum com tudo. Deixava todos tontos e sorria como uma criança que ri das próprias fantasias e não aparenta loucura, só pureza.

Também degustava, alisava os quadros, as dobras, as peles, almejava sentir os detalhes de cada espessura que não sentia, usava e abusava de seu tato. Com os dedos, as mãos, os braços, pés, pernas, barriga, costas, queria sentir tudo, tocar tudo. Não demorava para sentir frio. Ainda suava em seu calor, em seu torpor, e, toque a toque, conhecia mais suas sensações, suas emoções. Era toda ela. Vestia-se de si e cantava pedindo mais um trago daquela bebida, com sua maquiagem desfeita e seu semblante livre, leve, solta, vaidosa, sonhava com o momento que vivia. Jamais escolheria estar em outro lugar, viver outro momento, outra companhia. Envolta de suor e parte indispensável daquele cenário, era ela, assistindo tudo em primeira pessoa. Narraria tudo aquilo para seus sonhos e os faria mais belos assim.

Sentiu-se inteira enfim. Mudou de expressão, contou-me segredos, falou-me vontades, senti sua dor e não parou de confiar-me seus desejos, livre, sorria mesmo com expressão de dor e por alguns momentos, entre um discurso e outro, calava, dizia-me sentir demais para explicar, não transformaria em palavras o que exprimia em seu rosto. Estava ofegante e não queria descanso, não queria acabar aquele sonho real, e pedia ajuda, pedia fôlego, pedia.

Recuperou as forças, abandonou todo o senso, esqueceu do mundo, deixou seus pudores, largou mão das regras, apertou-me firme contra seu peito com toda sua força, e gritou, incondicionalmente, o amor que sentia por mim. Jurou-me depois, sua vida, sua alma, seu amor.

Postou-se farta em meus braços. Dormiu.

Augusto Simões