quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Lembranças (A.S.)

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Se eu pudesse apagar algo do meu passado, acho que começaria com as fotos. Certos detalhes que, mesmo debaixo de poeira, fechados em álbuns, sempre voltam pra me atormentar. Gosto de sentir saudades quando sei que poderei matá-las. Mas não gosto de sentir falta do passado. Este nunca volta, mas as imagens estão lá. Presas aos papéis que, enquanto não se desgastam com o tempo, com o clima ou mesmo com o fogo, se mantêm ali. Algumas a nos assombrar, outras nos trazendo certa nostalgia.
Se eu pudesse apagar algo do meu passado, não sei bem por onde começaria. Foi tão bom viver aquilo, foi tão ruim quando acabou. Eternizar seria difícil, mas, será que apagando alguns erros ficaria mais bela a minha história? Algumas vezes parece que se voltasse no tempo o ideal seria não dizer aquela frase, seria mais apropriado entender melhor o porquê sentia para depois me expressar e evitar o erro. Assim mesmo, depois do erro, das tristezas e das melancolias acumuladas com o tempo, a vontade que se dá é de apagar tudo do princípio. Desde o momento em que a história deu a entender que iria existir. Dá vontade de apagar tudo. O primeiro abraço, o primeiro sorriso.
Se eu pudesse apagar algo do meu passado, acho que começaria pelo meu passado. E viveria meu presente pensando que no futuro eu não quero querer apagá-lo.
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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Sem Título

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Mal percebia o sorriso largo em seu rosto até que soluçou tão involuntariamente quanto como aceitou o beijo. Olhava nos olhos felizes à sua frente procurando esconder a alegria tão surpreendente que lhe tomava o rosto e o corpo inteiro. Havia de fazer-se imperceptível e não ousou sequer agir como pensava. Deu-lhe o sorriso e tornou a encarar. Dizia-se suficientemente normal para o que tinha acabado de acontecer. Não esboçaria reação diferente enquanto não houvesse a certeza de que o que acontecera não fora mero acaso. Um caso banal, um beijo esperado por dois durante anos. Tremeram-lhe as pernas, mas sentiu-se feliz de se encontrar bem confortável numa cadeira. As batidas do coração poderiam ser facilmente disfarçadas enquanto não houvesse um abraço. Fora um momento de proximidade que, mesmo com relutância das duas partes, permitiu o encontro entre as bocas. Disseram-se:

- O que me impede de não querer?

- A mesma vontade que tenho. E o que me impede de tentar?

- A insegurança que dou. Mas o que lhe faz querer?

- A forma como me olha. - E se lhe visse mais de perto?
Aproximou seu rosto do outro.

- E se não me importasse e apenas lhe deixasse se divertir?
Manteve-se quieto.

- E se lhe falasse mais próximo do ouvido?
Arrastou a cadeira para mais perto, baixou o tom da voz e disse:

- Se as palavras ao seus ouvidos fossem tão doces que não pudesse resistir?

- Pensaria nelas como falsas já que te divertes me dando insegurança.
Encostou, levemente, os lábios na orelha direita deixando que o toque fosse suave e o ar que expirava fosse breve e desconcertante.

- E se lhe falasse tudo que é mentira com a verdade tocando em sua pele? Toques não enganam, sensações muito menos.

- E se falássemos sobre verdade sem mais suposições – falava devagar, afastando-se da tentação, enquanto, agora, seus lábios é que tocavam o outro rosto até chegar ao lado da boca finalizando a pergunta – o que você me falaria agora?

Com os olhos bem fixos nos olhos, uma sensação estranha de tremor de frio e calor lhe tomando o ventre, entregou-se.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Buquê de Flores

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Em suas mãos, equilibrava um grande e belo buquê de flores. Podia sentir a água morna deslizando por suas bochechas enquanto a olhava. Era triste o olhar do pobre homem que se manteve calado até o último segundo. Olhava fixo com um aspecto desolado e perdido como quem não sabia bem o que ali fazia. Os que passavam o olhavam de lado, não entendiam bem, mas imaginavam coisas. Fora, outrora, alheio a tal dor. Desconhecia.

Diante dela, sem largar as flores, sentia um aperto tão forte no coração que já se poderia, apenas de muito perto, escutar os breves e sentidos murmúrios do pobre rapaz de olhar e aparência já moribundos. Sempre fora falante e, naquele momento, não encontrava vocábulo adequado. Sofria, ainda mais, por isso.

Ela, nada falaria, mesmo que lhe pedisse por obséquio. Mesmo que lhe implorasse. Não ouviria mais uma palavra sequer daquela que havia lhe provido tantas alegrias. Quem dera não fosse tarde demais, pensava. E se em outra época lhe dissesse tudo o que sentia, haveria ele de sofrer o que sofria agora?

Não podia mais ficar ali. Ajoelhou-se. Abaixou a cabeça entre um soluço e outro. Suas lágrimas já esboçavam um rosto desfigurado, inchado, triste. Levou todas as flores até o chão. Lá, as deixou.

Calado, disse suas únicas três palavras audíveis: “Sempre te amarei”. Leu o nome de sua mãe escrito no túmulo, virou-se e foi.
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Augusto Simões

terça-feira, 5 de maio de 2009

Auroras de outras vidas


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De certo era que era a mesma paisagem de fundo. Bastava desbotar os olhos, amarelar a percepção e envelhecer mesmo que voltando no tempo. As plantas que se agarravam aos muros, o singelo balanço que fora de tantas gerações – agora abandonado – sustentado pela velha mangueira. Época feliz aquela. Onde as infâncias eram infâncias e não apenas protótipos de adultos.
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Foi-se o tempo em que pões e bonecas, bolas e balanços eram a maior das diversões. Antes se fossem as TVs e os desenhos animados cheios de intervalos e comerciais e voltassem as revistinhas em quadrinhos, as histórias de contos em livros sem pausas que não fossem seus capítulos ou sonhos.
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Mas o tempo se faz mais curto do que é até para quem tem todo tempo do mundo. Adeus longas histórias que prendiam a atenção. Adeus folclore e lendas populares. Esta época é de aprender a lutar por nada, bater, se machucar, atirar com o maior nível de realidade possível, atropelar...
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Cabe aos que ainda lembram admirar paisagens semelhantes, de longe, porque hoje é até estranho ver alguém brincar como antigamente.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ah! O Amor


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Quão amável é o início do amor. Um olhar, um olá, a resposta, o diálogo, os sorrisos, a simpatia, o marcar. O lembrar, o despertar, o passar o dia, o reencontro, as conversas, as retomadas de assuntos, as histórias, os novos assuntos, a segunda despedida. Os sonhos, as esperanças, as lembranças, as expectativas, o frio na barriga, o pensamento constante, a ânsia, os telefonemas mais freqüentes, as conversas mais longas, as horas mais demoradas, os dias mais longos.
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O dia, a hora, o sorriso mais aberto, o abraço mais apertado, os olhares mais fixos, a espera pelo momento, as conversas mais desencontradas, o frio na espinha, o tentar disfarçar, o tocar mais as mãos, o ser mais aceito, a proximidade entre as cadeiras, os sorrisos desajeitados, os olhares mais perdidos, as palavras desconcertadas, o pedido, o consentimento, o beijo. O sorriso espontâneo, os comentários desnecessários, o segundo beijo, o carinho no rosto, o terceiro, quarto, quinto, sexto...
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O chegar bobo em casa, o ligar para saber se chegou bem, o jantar com nome, o sono leve, o despertar contente, o café da manhã com sobrenome, a espera pela hora certa, as horas e minutos ainda mais lentos, a hora certa, saudades estranhas, um novo reencontro, o sétimo, oitavo, nono, os elogios, passeios, declarações, presentes, saídas, o palpitar animado do coração, o décimo, perder as contas, os carinhos, os abraços mais longos, as certezas, o “eu te amo”.
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A surpresa, a alegria, a resposta eco: “eu te amo”, mais alegria, mais beijos, mas abraços, mais fortes, mais vontade, mais carinhos, mais passeios, mais vida, mais segurança, mais amor. Dá até vontade de amar outra vez.
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Augusto Simões

segunda-feira, 9 de março de 2009

Ensaio sobre a cegueira, surdez (sobra a omissão)

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Já ouvi falar muito que o pior surdo é aquele que não quer ouvir, contudo, uma recente estréia parece ter se enganado com o sentido escolhido. Ensaio Sobre a Cegueira retrata uma hipótese semelhante à uma realidade vivida atualmente. Contudo um título mais adequado seria: “Ensaio Sobre a Surdez”.

Não precisa ser um ambientalista ou um membro do Greenpeace para ter noção do que se passa no mundo. Previsões de catástrofes, derretimento do gelo nos pólos, superaquecimento global e o velho buraco na camada de ozônio que nos tem causado tantos cânceres já não podem ser chamadas de notícias recentes e, ainda assim, lá vamos nós ouvir pessoas se lamentando e dizendo que só Deus pode ajudar – afinal, parece que o ser humano se inocenta de qualquer responsabilidade quando se trata da natureza.

E porque não condenar os culpados de fato, afinal, Deus, se é que ele existe de fato, nos deu o planeta e não se dispôs a ser o faxineiro. Na verdade, é hora de apontar os reais responsáveis por nossas chuvas que inundam São Paulo, pelas cheias nos canais imundos de Recife, pelos tornados já frequentes no sul do país.

Qualquer um que tenha acesso à TV, jornal, rádio ou qualquer campanha sabe que não são espíritos que jogam o lixo num terreno a céu aberto, não é o mar que faz os navios vazarem óleos, não é nenhum rato que entope bueiros nem joga sacos de lixo nos rios. O homem que se prejudica com cada um dos resultados destes atos é o que, além de causar, sofre com as conseqüências clamando por um por quê quando se vê no desespero. Somos sim os maiores culpados pelos desabrigados em SC, pelos prejuízos em SP, pelos canais de Recife e até pelo aquecimento do planeta.

Soluções? São apresentadas todos os dias. Atitudes simples como separar o lixo orgânico do reciclável, assim, diminuindo o tempo de degradação nos nossos tão bem estruturados lixões; não jogando cigarros, embalagens de comida ou qualquer objeto para evitar o entupimento dos bueiros; protestando contra a emissão de gases poluentes dos nossos governos.


A pena é que a surdez e a cegueira são tão recorrentes que este não vai passar de mais um aviso, de mais um apelo. Nossa omissão está destruindo o planeta e você, caso haja como a maioria, pensando “puxa, é mesmo!”, e voltando à sua vida normal vai ser mais um surdo a se perguntar: “Porque, Deus?”. Uma coisa eu garanto, não vai ouvir a resposta.


Augusto Simões

domingo, 25 de janeiro de 2009

Diálogo

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Não sei se há maldade no que me dizes ou se dizes apenas maldades sem ao menos as verdades saber. Sei sim que me dizes tanto quanto podes dizer e me falas de tanto quanto podes lembrar além de vês verdades nessas maldades que dizes. E, de tanto que falas destas tuas verdades, das minhas maldades, vejo que crês em todas elas, contudo, faço-me pacífico ao escutá-las. Vejo que me vês tanto sobre tuas verdades, em ti, inquestionáveis que não faço-as mentiras de cara. Dou-te tempo e crédito nas verdades tão más e nas maldades tão verdadeiras que me trazes. As ponho em pauta e acredito nelas assim como te postas a crer. Em seguida, como faria e faço com cada uma das minhas verdades, as questiono, em alta voz, diante de ti, e articulo claramente cada palavra que se esvai da minha boca crendo que estas vão tornar-se razão, reflexão ou, ao menos, algo que torne sua opinião mais disposta a mudanças. Então, munido de perguntas e de respostas prováveis, te chamo para uma resolução mútua, trago respostas possíveis e impossíveis e começas a te confundir com o que falo, trago-te mais e mais visões a respeito do fato e conservo o que havia de correto em tua posição. Neste meio tempo, corrijo minhas impressões erradas e peço que faças o mesmo. Aos poucos, frase a frase, fato a fato, clareias nossas visões, vês as mentiras e maldades nas verdades que te eram tão corretas e intactas e me fazes entender o que tanto te incomoda em minha conduta, criamos novas rotas, novos pensamentos, nos aproximamos mais, nos envolvemos mais, nos abraçamos e, pedidos e aceitados os pedidos de desculpas, fazemos as pazes e voltamos a ser felizes.


Augusto Simões

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Ideal Irreal (O curta)

Não ficou como eu queria, mas... aí está.

http://www.youtube.com/watch?v=UuxDoxIhi8o