sábado, 22 de março de 2008

João do tempo

Foi-se pondo entre os fatos da vida o que era certo de ser. Por algum motivo, em alguma hora já não era tão certo de ser o que era de fato. Mas o menino não desistia. Encontrava no tempo um ente querido (afinidade esta criada pela semelhança encontrada nas descrições dos personagens). Um ente querido e não visto. Ao mesmo tempo em que ali vivia, poucas vezes era notado. Em momentos era aclamado quando outrora era enxotado quando não desprezado.

Apenas foi-se sendo como era, é e sempre será o tempo. Passado para uns, presente para outros, futuro fosse para quem fosse. Já não mais queria ser certo, posto que nem o próprio tempo, a quem tanto se assemelhava, era. Tornou-se então relativo e, assim, feliz. Já não lhe vinham as mazelas e sofrimentos de ter de ser sempre. E com o tempo ele mudava. Assim como o tempo.

“Ser presente é ser presente no presente, ter sido futuro no passado e vir a ser passado no futuro” já dizia McTaggart. Não haveria de ser ele futuro de ninguém ou passado dos que fosse. Este seria apenas e somente presente dos presentes no presente.

Por fim, em sua vida, já nada era destino a ser mudado ou mantido. Como o tempo, preferiu ser criação do homem e seguir só o que lhe satisfazia, aceitar que os momentos se passassem hora lentamente, hora rapidamente. Já não averia o que fazer. E como o tempo, onde quer que fosse, seria eterno enquanto durasse entres aqueles que o os viam e nele acreditavam. Onde mais poderia chegar senão no seu lugar?

terça-feira, 18 de março de 2008

Água e Sol

Ao amanhecer fui novidade. Nos primeiros minutos em que o sol se dispunha a aparecer tornei-me um riacho calmo e acreditei ser perene. Fui leve e sem pressa como a eternidade, feito de paz e limpo como água virgem.

Pouco a pouco raiava o sol e pus-me a virar rio. E descobri que, como este, fui intermitente, que, mesmo que não quisesse, seria passageiro. A arrastar as sujeiras no meu caminho, hora limpando e hora sendo poluído por estas, quando não a encaminhar tudo à minha foz. Fosse ela qual fosse.

Até que o sol se impôs nesse dia claro. De tão clara a paisagem achei um leito perfeito por onde passei por muito tempo e encontrei um indo e vindo de afluentes onde minhas águas vinham e voltavam pelas pequenas passagens, curtos braços e achei um ciclo perfeito onde nascente e foz se encontravam num equilíbrio sem fim.

E quando o dia aqueceu quis mais. Fui mar. Saí de um ciclo calmo e perfeito para o imprevisível, hora calmo outrora revolto. Corri por aí aos mares e oceanos entre períodos de calmaria e tormenta. Rodei o mundo e achei mais um lugar onde haveria uma provável pureza. Mas não souberam cuidar, e fui espalhado por tantos lugares que ao mesmo tempo em que fui oceano, mar, rio, riacho, lago, poça, fui também parte da lama.

Então a noite chegou. E mais uma vez voltei a ser só um. Dentro de um poço fundo na escuridão até que consigam achar meu lençol e assim todo o resto de mim. Não me limito aos icebergs, sou um tanto d`água que se vê e um infinito que se é sabido mas dificilmente alcançado. Tornei-me, enfim, lençol freático. Próximo à superfície, contudo invisível.

Até que nasça o dia outra vez. Até que volte o sol e uma nova nascente me aceite como novo rio num outro ciclo desses que duram pra sempre.