sábado, 25 de outubro de 2008

Coito

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Veste a roupa que lhe dei e passeia pelo quarto. De certo, aprecia a vestimenta, trouxe algo sem folgas, pelo contrário, um ou dois números a menos, pressiona seu corpo, noto melhor suas curvas, mas não se incomoda, posto que já lhe é de hábito viver sob pressão, como se não bastasse as de praxe, as que lhe são postas goela abaixo, ainda se sufoca mais em vaidade. Não me acanho nos elogios, e mostro-lhe o quanto a admiro. Pesam-lhe as jóias nas orelhas. O colar, bem rente ao pescoço, atrapalha alguns movimentos enquanto reflete cada luz que se aproxima. Está radiante em seu vestido justo, novo, lhe apertando os quadris, mal lhe permite alguns movimentos. Ainda se enaltece em seus saltos, altos, com bicos finos, finos saltos altos onde ela flutua e desgasta suas pernas e sua postura. Admira a própria maquiagem, cobrindo seu rosto de branco, escurecendo os cílios, clareando a pele, escondendo as expressões, disfarçando o cansaço, pinta os lábios, colore seus tons, rosas, azuis, brancos, todos harmonicamente suaves. Eis que quando penso que acaba, torna à penteadeira e começa seu escultural penteado, dentre pentes e escovas, presilhas, adornos e tinturas se satisfaz. Então se enche de creme, se perfuma e me pergunta: “Onde vamos?” Calo, a conduzo até o restaurante, peço um prato breve e levo-a de volta ao nosso lar. Pergunta-me então: “Por que tão breve?” Respondo, enfim: “Pois estás vestida para o mundo, bela para os outros olhos, cheirosa para os outros perfumes. Agora quero-te especial para mim.” Curiosa, me pergunta: “Como?” Abro meu maior sorriso, a finto sem pudor e lhe falo em bom tom: “Despe-te e transpira.”
Augusto Simões

2 comentários:

• c. disse...

Fez juz ao que você me disse, e como!

uma dica: um escritor que me inspira, e meu estilo de escrita é similar ao dele, em partes, talvez você goste.. ou já conheça, Caio F. Abreu.

beijo

Thiago disse...

Augusto, que belo! Essa simplicidade é fascinante! Lindo demais! E vou reenviar o email!